12.10.09

Retalhos

Preencho meus dias de Bruxa com panos picados que à noite se unem e amanhecem para uma vida nova. Uma tesoura, linha, agulha e me deleito com o fazer sem me preocupar com o resultado.

Percebo o tremor indisfarçavel de cada tecido ao simples toque.Em mãos de Bruxa não há mesmo certezas.

Do baú se soltam tecidos antigos, velhos e novos. Há os que perderam o viço, passaram de época. Tiveram tudo, ou quase tudo, para seguirem destino de vestido, serem apreciados e por vezes identificarem suas donas...A dama do vestido vermelho... Mas não encontraram quem os talhasse e lhes desse forma. Acabaram embainhados para forrar a mesa da cozinha, quando não há visitas, e hoje se distraem amparando migalhas.

Há outros casos, como o das lonas que se tornaram bolsas e vão a toda parte. Passeiam abraçadas, descansam no colo e estão sempre sob a vigilância de suas donas. Carregam segredos e valores sob fechos e bolsos insuspeitáveis, feitos para ludibriarem mãos curiosas e assaltantes. Há quem as use para se defender, mas tal atitude vem caindo em desuso.

Há tules, rendas e filós que aguardam a vez, amarelando um pouco mais a cada dia. Não os dou, não troco nem vendo. Não vejo superfície onde bem caibam. São muito delicados. Por isso os guardo, como ingrediente de feitiço a ser armado e arrematado com esmero no futuro.

17.8.09

O tesouro e a tesoura


O hábito de guardar roupas usadas é anacrônico e totalmente combatido por aqueles que foram levados a crer que a boa energia é trazida pelo novo. Não é gracioso ocupar lugar nos armários, entulhar prateleiras e caixas com peças que não usamos mais. Concordo com isso, em parte.

Como canceriana que sou preciso apalpar o passado. Portanto, entre sairem de uso e chegarem a outras mãos, algumas peças, consideradas especiais (categoria que inclui necessariamente uma forte carga afetiva), podem amarelar, perder a graça e a atualidade. E, já que perderam o poder de encantar qualquer outra pessoa, a canceriana as guarda mais um pouco.

Algumas roupas pedem para seguir adiante. São doadas, repassadas a quem possa usá-las, descartadas sem pena, com a alegria de saber que encontrarão serventia. Já outras ficam acenando lembranças. Destas eu não sei me desfazer.

O modismo do trabalho com retalhos foi a deixa que faltava para eu exibir orgulhosamente alguns guardados. Venho me atracando com tecidos antigos, buscando entre eles a harmonia, picando blusas, desfazendo saias e recortando padrões impressos na memória. Entendi como oferecer-lhes vida nova. Isso eu posso fazer, com alguns...

A sabedoria antiga ensina que o feminino dá vida, dá forma. Isto posto, posso criar e recriar sem hesitação alguma, sabendo que estou fazendo o que é para ser feito mesmo. Explicadinho, assim, entendi porque me lanço, instintiva e por vezes febrilmente a pintar, tecer, restaurar móveis, cozinhar, reaproveitar alimentos, e mais.

O patchwork liberta! Minhas preciosas túnicas, saias, blusas e até seus botões serão patchworkados e quiltados, surgirão faceiros e irreconhecíveis aos olhos de muitos - o que aflora um prazer recôndito num risinho de lado. Gosto que me enrosco de pensar que estou secretamente exibindo um pedaço palpável do meu primeiro baile, do lençol de berço da minha filha, de momentos preciosos testemunhados pelos tecidos da minha vida. Poucos conhecem; poucos saberão.

Me causa assombro o que vejo em blogs de patchworkers. Tenho muito o que aprender. Por isso, e só por isso, vou deixar os tecidos mais queridos para usá-los mais adiante...