5.9.10

Nas cidades o Relógio; longe delas o Tempo

Entrevista com um TUAREG!
...Aqui tens o relógio, ali temos o tempo.

Não sei a minha idade: nasci no Deserto do Saara, sem certidões...! Em um acampamento nómada Tuareg entre Tumbuctu e Gao, ao norte do Mali. Tenho sido pastor de camelos, cabras, ovelhas e vacas de meu pai. Hoje estudo Gestão na Universidad Montpellier. Sou solteiro. Defendo os pastores Tuareg. Sou muçulmano sem fanatismo.

- ¡Que turbante tão bonito…!
- É uma fina tela de algodão: permite proteger o rosto no deserto quando se levanta areia, e seguir vendo e respirando através dele. É de um azul belíssimo…. Aos Tuareg nos chamam os homens azuis por isto: a tela solta algo e nossa pele se toma de tons azulados...

Como elaboram este intenso azul anil?
- Com uma planta chamada índigo, misturada com outros pigmentos naturais. O azul, para os Tuareg, é a cor do mundo.

Por quê?
- É a cor dominante: do céu, do teto de nossas casas.

- Quem são os tuareg?
- Tuareg significa “abandonados”, porque somos um velho povo nômade do deserto, solitário, orgulhoso: “Senhores do Deserto”, nos chamam. Nossa etnia é a amazigh (berbere), e nosso alfabeto, o tifinagh.

- Quantos são?
- Uns três milhões, e a maioria, todavia, é nômade. Porém a população decresce... “ É preciso que um povo desapareça para que saibamos que existia, denunciava um vez um sábio: eu luto para preservar este povo.

- A que se dedicam?
- Pastoreamos rebanhos de camelos, cabras, ovelhas, vacas e jumentos num reino de infinito y de silencio…

- De verdade tão silencioso é o deserto?
- Sim estás a só naquele silencio, ouves as batidas de teu próprio coração. No há melhor lugar para se achar sozinho.

- Que recordações de tua infância no deserto conservas com maior nitidez?
- Meu despertar com o sol. Ali estavam as cabras de meu pai. Elas nos dão leite e carne, nós as levamos aonde há água e pastagem… Assim fez meu bisavô, e meu avô, e meu pai… E eu. Não havia outra coisa a mais no mundo do que isso. E eu era muito feliz nele!

- Sim! Não parece muito estimulante. ..
- Muito.. Aos sete anos já te deixam apartado do acampamento, para o que te ensinam as coisas importantes: a farejar o ar, escutar, apurar a vista, orientar-se pelo sol e as estrelas… E a deixar-se levar pelo camelo, se te perdes: te levará aonde há água. Saber isso é valioso, sem dúvida… Ali todo é simples e profundo. Há poucas coisas, e cada uma tem um enorme valor!

- Então este mundo e aquele são muito diferentes, não?
- Ali, cada pequena coisa proporciona felicidade. Cada roçar é valioso. Sentimos uma enorme alegria pelo simples fato de nos tocarmos, de estar juntos! Ali nada sonha em chegar a ser, porque cada um já o é!

- O que mais chocou em tua primeira viagem a Europa?
- Vi correr as pessoas pelo aeroporto.. . No deserto só se corre si vem uma tormenta de areia! Assustei-me, claro…

- Só iam buscar as malas, já, já…
- Sim, era isso. Também vi cartazes de mulheres desnudas: por que essa falta de respeito com as mulheres? Perguntei-me… Depois, no hotel Ibis, vi a primeira torneira de minha vida: vi correr a água…. e senti vontade de chorar..

- Que abundancia, que desperdício, não?
- Todos os dias de minha vida haviam consistido em procurar água! Quando vejo as fontes ornamentais aqui e acolá continuo sentindo dentro uma dor tão imensa….

- Tanto assim?
- Sim. A principio dos anos 90 houve uma grande seca, morreram os animais, caímos enfermos…. Eu tinha uns doze anos, e minha mãe morreu… Ela era tudo para mim! Me contava histórias e me ensinou a contar-las bem. Ensinou-me a ser eu mesmo.

- Que aconteceu com sua família?
- Convenci a meu pai de que me deixasse ir à escola. Quase todos os dias eu caminhava quinze quilômetros. Até que o professor me deixou uma cama para dormir, e uma senhora me dava de comer ao passar ante a sua casa…. Entendi: minha mãe estava ajudando-me...
- De onde saiu essa paixão pela escola?
- Dois anos antes havia passado pelo acampamento o rali Paris-Dakar e uma jornalista deixou cair um livro de sua mochila. O recolhi e a dei. Presenteou-me e me falou daquele livro: O Pequeno Príncipe. E eu me prometi que um dia seria capaz de lê-lo….

- E o logrou.
- Sim. E assim foi como logrei uma bolsa para estudar na França.

- Um Tuareg na universidade ..!
- Ah, o que mais me falta aqui é o leite de camela… E o fogo a lenha. E caminhar descalço sobre a areia quente. E as estrelas: lá as miramos cada noite, e cada estrela é distinta de outra, como é distinta cada cabra… Aqui, pela noite, olhas a televisão.

- Sim… Que é o pior que lhe parece aqui?
- Tendes de tudo, porém não basta. Queixai-vos. Na França passam a vida se queixando! Aprisionai-vos por toda a vida aos bancos, e há ânsia de possuir, frenesi, pressa… No deserto não há atrasos, e sabe por quê? Porque ali nada quer se adiantar a nada.

- Conta-me um momento de felicidade intensa em distante deserto.
- É cada dia, duas horas antes do pôr do sol: diminui o calor, e o frio não chegou ainda, e homens e animais regressam lentamente ao acampamento e seus perfis se recortam no céu rosa, azul, roxo, amarelo, verde…

- Fascinante, na verdade…
- É um momento mágico…. Entramos todos na tenda e pomos o chá no fogo. Sentados, em silencio, escutamos a fervura… A calma nos invade a todos: as batidas do coração entram no compasso, no pot-pot dp fervor...

- Que paz…
- Aqui tens o relógio, ali temos o tempo.

Texto extraído do blog Amor à Vida, português, o que explica algumas diferenças do Português falado no Brasil. Não encontrei citação da fonte inicial. 

Um comentário:

  1. Como esse mundo é vasto de culturas! Por mais que tentamos imaginar, ainda tem um além maior que isso.
    É pra se refletir sobre o que fazemos com nossas vidas.
    Beijos

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